Estava tendo ontem uma discussão com um colega novo, que conheci ontem mesmo, com o qual vou tocar no acústico hj. Discutíamos pq ele é basicamente um exotérico e eu, um ateu. mas a discussão passou por mtas coisas de epistemologia, então achei legal citar o tema por aqui... Especialmente por que muita gente não entende as coisas e acha que entende... mas vamos lá.
Primeiro, vamos do básico: pra que serve uma forma de ver o mundo? nós não pensamos e elaboramos filosofias, religiões ou a ciência só pelo prazer de inventar coisas... tudo isso nasceu de uma necessidade prática: a de criar mecanismos que nos permitam entender melhor a realidade que nos cerca e propôr, a partir daí, uma forma mais precisa e eficaz de atuar sobre ela. Traduzindo: quando vc vai num bar e senta numa mesa, é importante que vc tenha uma noção bem exata do tamanho da mesa, por exemplo, pra que você possa pôr o seu copo de cerveja sem que ele caia dela... é pra isso que criamos nossas visões de mundo, pra a gente poder botar o copo na mesa sem ele cair ao mesmo tempo em que ele fica perto o suficiente da gente, pra ser o mais fácil possível de pegar.
Nesse sentido, tanto religiões, filosofias e a ciência estão classificadas numa mesma categoria: saberes. isso torna todas elas iguais? não! aí é que entra a questão...
Religião se diferencia de Filosofia e de Ciência, por que ela se baseia em Fé, e não na Razão. Não é uma questão de quem está mais certo ou mais errado nas coisas que afirma - a religião sempre disse que nossa crença pode nos curar, e o efeito placebo veio mostrar que é verdade, mesmo que não da forma q a religião pregava. É uma questão de lógica: a fé se baseia na crença pura e simples, sem evidência ou confirmação, pelo simples fato de que advém da tradição ou de um sentimento íntimo; a razão se baseia em fatos e evidências. Essa é a diferença fundamental.
Nesse sentido, o caminho da religião é o inverso do caminho da razão: a religião vai da crença para a realidade e traz a realidade para reforçar a crença; a razão vai da realidade para a crença e traz a crença para atuar na realidade. Vejamos um exemplo básico: Se te digo que a Terra é redonda, o que tem fé vai aceitar ou negar isso a partir das concepções religiosas que ele já tem, ou seja, só vai concordar ou discordar com a afirmação (de que a Terra é redonda) se os seus dogmas aceitarem isso, ou seja, se alguém, antes dele e, independente de fatos ou evidências, disse que aquilo é verdade; alguém que usa a razão, vai fazer o contrário, vai questionar se a Terra é redonda, buscar fazer alguma experiência sobre a gravidade ou lançar um satélite que possa olhar a Terra de cima, ou seja, mudar o seu ponto de vista, tentando comprovar e descomprovar o que foi dito (que a Terra é redonda). Parece óbvio, portanto, que a Fé é naturalmente conservadora; e a Razão é essencialmente dinâmica.
Bem, se o que queremos construindo essas concepções todas é entender melhor a realidade pra poder atuar sobre ela depois, ou seja, colocar o copo no melhor lugar possível da mesa, o que parece mais eficaz? a fé, que diz, independente de ter visto ou não o tamanho da mesa, onde pôr o copo? ou a razão, que diz onde pôr o copo a partir de ter observado o tamanho da mesa?
Obviamente, ambas as coisas são falhas - e isso ninguém nega. Somos todos limitados, seres humanos ínfimos num universo absolutamente gigante. Não fomos projetados pra entender o universo; somos bichinhos pequeninos vivendo num planetinha pequenininho e tentando se manter vivos usando de sua consciência pra isso - e é por isso que tentamos entender o universo. Claro que vamos errar no caminho, usando um ou outro... mas isso quer dizer que os dois são a mesma coisa?
Se você quiser chegar num lugar, uma cidade, por exemplo, determinado saindo de outro determinado, um vilarejo, por exemplo; com ou sem mapa, você tem condições de chegar até a tal cidade; mas ninguém em sã consciência vai negar que é muuuuito mais eficaz usar um mapa! inclusive, não usá-lo pode te trazer conseqüências terríveis (se acidentar, se perder, ser assaltado, morrer, etc). Como (quase) disse o trostky uma vez, diga a um operário que vai dar a ele uma ferramenta quebrada no lugar de uma nova por que com qualquer uma das duas ele pode fazer o seu trabalho, e ele te mandará se foder. Com toda razão.
Se queremos uma coisa que nos guie, que dê sentido à nossa existência, que nos ajude a viver melhor, etc, etc, por que não recorrer ao método mais eficaz? por que ficar preso a crenças sem sentido (que em geral trazem um monte de problemas e restrições pra vida das pessoas) quando se tem um método muuuito mais eficaz em mãos?
Além disso, a fé, dentro de si mesma, não te permite mudar o que já foi estabelecido, por que nem a reflexão, nem os dados, servem para questioná-la. A fé é, por definição, inquestionável - só muda, dentro de sua própria lógica, se suas fontes de verdade disserem isso. Ou seja, para a fé não importa se você acha que aquilo faz sentido ou não; importa que é o que a fé diz. Ponto. Prum Católico, as concepções de sua fé só mudam se o Papa ou os Cardeais disserem que mudou, não importa o que acontecer. Isso é absolutamente ilógico, mas é a lógica da fé. É como se andássemos com um quadro na frente dos olhos, sem nada que indique que o mundo lá fora é igual ao quadro. As religiões têm mudado, sim, é verdade, mas essas mudanças foram motivadas por realidade sociais externas a elas, ou seja, não foi obra pra lógica da própria fé; e a própria fé sempre serviu a concepções terríveis, como o Nazismo (que pregava a irracionalidade e o cristianismo).
Na Razão, é o contrário: se existirem evidências de que estamos errados, vamos buscar entender essas evidências e buscar provas delas. Se elas estiverem certas e eu errado, o pensamento racional é: "Que bom! Eu estava errado e agora devo estar certo!".
Dentro da Razão, a filosofia e a ciência se diferenciam por que a filosofia não usa a lógica do teste e da repetição. Um cientista prova o que diz indo até o que ele quer estudar, testando sua hipótese em condições regulares e reprodutíveis por várias e várias vezes; se na maioria absoluta das vezes (geralmente mais de 95%), acontecer o que se espera, a hipótese está confirmada (até que alguém busque mudá-la). A filosofia se baseia na reflexão, usando as informações adquiridas através do contato pessoal, da leitura e das experiências particulares. É óbvio que a ciência é mais eficaz.
Ela tem limitações? claro que tem! Muitas coisas podem existir sem que nós tenhamos evidência de que elas existam - a matéria escura é um exemplo: está aí há bilhões de anos, mas a gente só veio saber agora, pq antes da física quântica, não tínhamos como conseguir evidências sobre ela. Mas a vantagem da ciência não é só que ela explora melhor os dados da realidade; mas é também que dentro dela mesma eu posso questioná-la; ou seja, eu não preciso sair do método científico pra provar que os cientistas estão errados: eu só preciso que a realidade me forneça provas e evidências. Se o método científico aplicado naquela situação não me permite conhecer o que quero, eu crio um novo; simples assim. Por exemplo, quando estudamos violência urbana através do número de homicídios, somos incapazes de entender o impacto da ação policial sobre a vida das pessoas comuns de favelas, por exemplo - isso vc só vai conseguir fazendo entrevistas com essas pessoas. Ou seja, pra enfrentar uma concepção dominante na ciência, eu não preciso sair dela; ou só a questiono. Na lógica científica, o questionamento é necessário e desejável; e a verdade é sempre provisória.
Se a verdade é provisória e é determinada pelos dados e evidências - ou seja, eu só posso dizer que algo é de uma forma e não de outra, quando eu tenho evidências e provas disso - faz todo sentido que eu diga que algo não existe quando não tenho dados nem evidências. Se eu te disser que existem fadas e unicórnios, você simplesmente não acredita; mas por quê? por que não existem dados ou evidências no mundo E na sua vida de que eles existam; logo, vc pressupõe que não existam. Isso quer dizer que não se pode um dia descobrir que eles existem? podemos sim, mas qual é a probabilidade? remota. Então, com a nossa verdade provisória, dizemos que não existem - até que provem o contrário. Esse é o caso de Deus.
Mas faz sentido viver com uma verdade provisória? claro! faz mais sentido que o contrário! A verdade provisória da ciência admite que somos limitados e que podemos mudar de concepção no futuro, mas também não nos deixa perdidos para atuar hoje e guiar nossos passos.
Mas faz sentido viver com uma verdade provisória? claro! faz mais sentido que o contrário! A verdade provisória da ciência admite que somos limitados e que podemos mudar de concepção no futuro, mas também não nos deixa perdidos para atuar hoje e guiar nossos passos.
Usando o que sabemos, definimos o que existe e o que não existe, o que é provável ou improvável, e agimos a partir disso (que é o que quem tem fé também faz, por que em geral eles não se guiam pelo que acham que não existe ou para o que eles não têm indicações de fé de que existam), mas estamos abertos (ao contrário dos que têm fé) para a mudança de nossas ações e concepções se algum dia nos provarem que (a) existe algo que não sabíamos ou que (b) algo que achávamos que existia, na verdade não existia. Adimitimos nossa ignorância e nossas limitações enquanto seres humanos, mas não deixamos de lado o fato de que precisamos viver o o hoje e o agora, bem como planejar o futuro.

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