sábado, 16 de maio de 2015

O Que é Polifobia? (Parte 1)


O uso desse termo não é comum no Brasil, infelizmente; especialmente pelo fato de que aqui não há um envolvimento tão grande com o acúmulo do movimento poliamoristas fora do Brasil e não se tem referência na literatura estrangeira sobre o assunto... Em vários sentidos, as pessoas ficam reinventando a roda individualmente por aqui. Pois bem, vim aqui esclarecer esse termo e as opressões em geral.



 

Opressões são sistemas sociais que estabelecem uma normatividade que garante uma instituição social, e um (ou mais) preconceito(s) que afasta as pessoas que se chocam com essa instituição de maneira natural (por construção subjetiva e talz) e que cria estereótipos e reações (físicas, ideológicas e psicológicas) que reprimem o grupo oprimido. Esse grupo oprimido pode ser parte da estrutura (como a mulher e o negro) ou ser um dissidente da norma (como as religiões afro brasileiras, os LGBT e os polis). No primeiro caso é normal que se entenda que o grupo oprimido existe e tem um papel menor na sociedade; no segundo, é normal que a opressão diga que eles não existem ou não deveriam existir, ou que são uma mentira inventada para esconder algo maligno (como o "satanismo" e a promiscuidade)

Essa opressão obviamente pode assumir várias formas. Mas, para saber identificar uma opressão é preciso que hajam certas características fundamentais em comum, que se repetem. Para elucidar, vou usar o caso da opressão à mulher.

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Desvantagem material:

o grupo oprimido costuma receber menores salários e/ou estar submetido a piores condições de trabalho, e/ou estar mais suscetível a ser demitido ou não ser contratado pelo simples fato de ser parte daquele grupo oprimido.

No caso das mulheres, elas recebem menos que homens pelos mesmos trabalhos, muitas vezes possuem piores condições de trabalho (a depender da função que executam) e são mais facilmente demitidas, além de simplesmente serem obstruídas no acesso a certos tipos de trabalho, especialmente os de chefia. Obviamente, nos casos em que é possível esconder sua condição de oprimido, é possível se esgueirar contra esses fatores.

Vigilância Social:

a sociedade ao redor do indivíduo presta uma atenção especial às suas atitudes e vigia sua vida em busca de falhas de caráter, de deslocamentos de seus papéis sociais e a constante cobrança quanto à execução desse papel (quando ele existe). Mulheres, especialmente em comunidades, pequenas cidades e vizinhanças, sofrem muito quanto a isso, mas não só. A mulher tem que estar sempre bela e arrumada, acompanhada, não pode estar vulgar nem exageradamente pudica, não pode beber com os amigos... O caso de LGBTs é visível, não é? A não ser que se escondam, tudo que fazem é objeto de julgamento.

Violência física e psicológica:

na convivência comum do grupo oprimido com outros indivíduos (oprimidos ou não) a presença de imposição de relações de poder e inferiorização, abuso dos limites físicos e morais dos indivíduos são comuns. No caso das mulheres, a cultura do estupro e a violência doméstica são os melhores exemplos.

Invisibilidade:

a história e as situações cotidianas são contadas do ponto de vista do opressor e não do oprimido. Por isso a história é contada do ponto de vista do homem branco europeu, dos grandes magnatas e, do ponto de vista das relações pessoais, o discurso feminino é inferiorizado pela ideia de que são "histéricas", " infantis", influenciadas pelo tesão que têm nos homens... E, portanto, suas visões são "menos importantes" que as de um homem.

Creio que se poderia evidenciar outros aspectos que dêem conta de outras partes da realidade que é a opressão. Mas essas são as características mais evidentes e universais que pude identificar.
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É importante localizar que todos esses aspectos só funcionam quando a justificativa para eles é o grupo oprimido do qual a pessoa faz parte (seja através de estereótipos, seja através da proclamação mesma daquele papel social). Não levar em consideração tanto a fala de uma mulher que não tem base racional para o que diz em prol de uma fala masculina com fundamentos racionais numa discussão científica, por exemplo, não é necessariamente machismo - se o crédito se dá aos fatos, não ao gênero, não é opressão.

Então, vamos ver se essas características gerais se aplicam a uma possível polifobia?
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Desvantagem material:

se um grupo poli se relaciona, ele não tem nenhum amparo legal para licença paternidade (se forem dois homens) ou maternidade (se forem duas mulheres), ou pensão múltipla, por exemplo. Além disso, há mais de um caso de pessoas que perderam o emprego quando seus chefes descobriram que elas eram polis - homens e mulheres. Polis são vistos como irresponsáveis, indecisos, promíscuos e isso dificulta o acesso a diversos empregos, ou a ascenção a cargos de chefia em empresas (onde o padrão de ser casado ainda é muito importante).


Vigilância social:

muitos polis de ambos os sexos relatam casos de vigilância social à suas identidades polis e muitos tentam evitar de sair do armário por medo da repressão social - tanto homens quanto mulheres. Quando um casal ou grupo é abertamente poli, acontece de pais evitarem que seus filhos interajam com eles, ou de sua afetividade ser reprimida em público.

Nem sempre isso vem na forma de uma porradaria, mas muitas vezes vem o argumento "na frente das crianças?". E isso já aconteceu em meio a vários casais monogâmicos homossexuais frente a um grupo de um homem e duas mulheres numa social entre amigos. Eu era sempre olhado de forma diferente pelos mecânicos da minha rua por andar com mulheres diferentes a cada dia, e, todas as vezes em que saí a três, carros buzinavam e várias pessoas gritavam que queriam "entrar no meio". Vendo outros casos de 3 pessoas que se supôs que estavam juntas, um homem e duas mulheres, eu ouvi comentários repreensivos quanto ao homem (e não quanto às mulheres) e coisas como "porra, ele tah ali com duas e eu to aqui com nenhuma" ou "ele tem que compartilhar essas mulheres aí". Ou seja, o machismo objetificou as mulheres como propriedades do homem e o preconceito com polis direcionou desgosto quanto ao homem por inveja e por estar " possuindo" mais do que deveria. Isso num ambiente teoricamente libertário. Mulheres poli então sofrem ainda mais - pois são automaticamente tratadas como "putas" (olha aí o machismo se misturando com polifobia) e escurraçadas pela família.


Violência física e psicológica:

de fato, o caso de violência física contra grupos poli andando na rua é quase nulo (muito provavelmente por que esses grupos quase não andam juntos na rua e quando o fazem é em ambientes seguros; a sociedade hoje está muito mais tolerante fisicamente em alguns lugares por vitória do movimento LGBT; e muita gente nem sabe que o poliamor existe), mas isso não quer dizer que a violência contra polis individuais por parte da família não exista. O caso da violência é também complicado por que o termo poliamor existe desde 1991, apenas; então, quantos polis existiam na década de 60 e quantos foram espancados, ainda é um mistério. Mas vale localizar que a violência física contra pessoas polis por monogâmicos enciumados existe e deve ser combatida.

No campo da violência psicológica a coisa vai longe... Basta dizer que a maioria dos poliamoristas têm depressão ou algum conjunto de problemas psicológicos, geralmente causados por baixa auto-estima e problemas com a família. Um dado interessante é que para algumas famílias se dizer poli é mais tranquilo do que LGBT, mas em outras é o contrário.

Além disso, temos a violência institucional, que já tirou guarda de homens e mulheres quanto a crianças usando o argumento de que por serem polis são "imaturos", " indecisos" e "promíscuos". Vários polis se mantém no armário por causa do medo de perderem seus filhos.

Além disso, existe toda a pressão de culpa que é colocada no poli quando ele se relaciona com um monogâmico.


Invisibilidade:

a maioria das pessoas acha que poliamor não existe ou não funciona, que isso é uma fase, que não é amor de verdade, que é por que não encontrou a pessoa certa, etc. Além disso, não existem estudos significativos na academia sobre o tema e raramente se fala dele em artigos sobre novas formas de família e relacionamento. Todo estudo sobre família e relacionamento é baseado no casal monogâmico. Na verdade, a história é contada como se todos fossem monogâmicos e até mesmo aqueles que publicamente não eram são tratados e retratados como se fossem - ou como se tivessem um amor principal. Nada se fala sobre a sexualidade dos gregos antigos e não há sequer registro de uniões com mais de uma pessoa na história ocidental.

No oriente, a poligamia pode tomar conta, mas ela força homens a matarem suas mulheres se elas tiverem outros homens e os força a casar mulheres com quem se relacionem. Lá também não se fala de triais ou outras redes de relacionamento.

É como se o poliamor tivesse passado a existir no mundo a partir de 1991.

Além disso, é comum que pessoas polis sejam desmerecidas em seus conselhos amorosos a outras pessoas ou sejam tratados como os "malucos" do grupo de amigos.

No caso das mulheres, tudo isso é pior, pois são tratadas como "piranhas", " fáceis", que estão à disposição, especialmente se forem bis ou homossexuais (são vistas como menage ambulante), são tratadas como mulheres de menor valor e que não sabem o que é ter um relacionamento "de verdade" (esse também se aplica a homens). Por mais que mulheres não-polis possam sofrer esse preconceito, ele não é automático com o fato de serem mulheres. Como no caso das mulheres negras (em que machismo e racismo se misturam), a mulher poli é classificada como "puta" assim que sua identidade poli é revelada.

Em ambientes de trabalho, polis podem ser tratados como irresponsáveis que não merecem muito crédito. Além disso, temos a mono normatividade e o dizer a crianças e adolescentes que se eles amam mais de uma pessoa é errado e ela tem que escolher e que se seus namorados namoram outras pessoas eles devem competir.


Bom, acho que isso tudo serve pra demonstrar, sem dúvidas, que polifobia é uma forma de opressão real, algo que existe, nos oprime (homens, mulheres, crianças, velhos, negros, brancos, etc) e que precisa ser combatido.

Mas a que estrutura social ele está atrelado?

Como eu disse lá em cima, toda opressão é um sistema de repressão em prol de certos papéis sociais - seja pelo encaixe ou pelo desencaixe neles. A monogamia é uma das instituições mais antigas da nossa história, talvez fundadora de diversas sociedades. E é claro que a monogamia se aplica diferente para homens e para mulheres: elas eram punidas por terem outros homens e eles eram engrandecidos por terem outras mulheres.



Isso quer dizer que a polifobia só se aplica à mulher? Não. Como vimos, todos os aspectos da opressão polifóbica atingem homens e mulheres, apesar de em níveis e formas diferentes. Mas poliamor não é poligamia. Não é o homem ter várias mulheres, é ambos terem o direito de terem outras pessoas... E quando pensamos nisso é que se abre os olhos para a desmoralização que todo homem sofria na história quando sua mulher se envolvia com outros. Se ele tivesse uma relação em que ambos podiam ter outros e a sociedade descobrisse, ele era obrigado a punir a mulher, a fazer sofrer a mulher que ama para manter sua honra, mas ela estava para sempre manchada como ando "corno" e, mais recentemente, "corno manso". Ou seja, a mulher sofria muito mais e ainda sofre mais com a opressão polifóbica, mas o sofrimento de um não é excludente do sofrimento de outro.

De qualquer forma, eu, particularmente, considero o poliamor um fenômeno contemporâneo, específico dessa fase do capitalismo, mas não posso descartar a possibilidade de ele ter sempre existido.

Mas a polifobia nos atinge de outras formas. Em outro texto explicarei as especificidades da polifobia.

Espero que esse texto tenha sido elucidativo a todos.

Vontade e Sabedoria nas suas Guerras!

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