segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Resposta Socialista 1 - Nazismo X Socialismo

Resolvi fazer esse post por que dois amigos meus comentaram no facebook em resposta à seguinte imagem:
Um deles se declara realmente de direita e o outro aparentemente simpatiza com o anarquismo, mas não se diz de esquerda... De qualquer forma, eles fizeram comentários que eu achei mt errados e achei que mereciam uma resposta adequada. Como considero essas pessoas, resolvi escrever um texto aqui (que será visivelmente mais amistoso do que a minha média aqui ahhah)

Bom, um deles estava defendendo que o nazismo podia não ser marxista, mas que era socialista. Depois de uma resposta de um amigo meu sobre a questão terminológica, a resposta que recebeu foi a seguinte:

 "Lee Apollo Adama, presta atenção... fortalecimento do Estado em detrimento do indivíduo, o governo decidia que profissão o cidadão deveria seguir, investimentos pesados nas forças armadas, em indústrias que fossem beneficiar estas forças armadas e pesquisa tecnológica que pudesse ser útil militarmente, monopartidarismo estando o "líder" do partido na posição de governante, supressão da oposição, perseguição de minorias (principalmente religiosas), tortura e execução de dissidentes políticos, culto às idéias e à personalidade do "líder", invasão de territórios autônomos próximos, uma economia onde você tinha o direito a ter a sua empresa, desde que o governo dissesse que tipo de empresa, quem você contratava, quanto pagar de salário para os seus empregados, qual o preço que você deveria vender os seus produtos e caso você desobedecesse o governo simplesmente intervinha na sua empresa (de fato você era simplesmente um administrador de uma empresa que pertencia ao governo) etc. O nazismo era algo bem próximo do comunismo chinês... e não estou falando de nome e sim de forma de governar.
E na boa, Mao era tão boa pessoa quanto Hitler, além de terem formas muito parecidas de governar..."




Vamos um por um?

 - "Fortalecimento do Estado em detrimento do indivíduo"

Bom, dado que o conceito de "indivíduo" só foi pensado em meados da idade média e só foi realmente orientar a política de qualquer Estado a partir da Revolução Francesa, só podemos tirar 2 conclusões: ou todas as outras formas de política estatal eram socialistas ou próximas de socialistas até o estabelecimento do Estado Moderno, ou esse não é um elemento determinante nem de liberdade/democracia nem de socialismo.

Um exemplo interessante é a Grécia (especialmente em Atenas) - lá o conceito de garantia a liberdade e a democracia era o de "cidadão"/"homem" e não o de "indivíduo" e ele permitia que o Estado se fortalecesse sobre a auto-afirmação individual sem atrapalhar o exercício da liberdade dos cidadãos (que eram, no caso, uma minoria...).

Bom, eu creio que os direitos individuais são um avanço que deve ser preservado em qualquer sociedade pós-capitalista. Mas não podemos ignorar o fato de que o poder do Estado é necessariamente uma negação do poder individual. Se pensar em termos de "em detrimento do", a retirada de liberdades (ou seja, de possibilidade de fazer coisas sem represália oficial, nesse caso específico) é característica essencial do Estado. Logo, é da natureza do Estado limitar o indivíduo em prol da coletividade. Então toda e qualquer atuação do Estado é socialismo? Isso é muito reducionista.

 - "o governo decidia que profissão o cidadão deveria seguir"

Na verdade, isso é uma mentira. Depois da conformação do Estado Moderno, não houve nenhuma sociedade em que as profissões individuais foram determinadas pelo governo. Na verdade, nunca nem houve aparato Estatal suficiente para isso. O que houve nas sociedades pós-feudais (todas, inclusive nas democracias burguesas mais desenvolvidas) foi a identificação de pessoas com potenciais fora do comum para que fossem incentivadas a atividades extras focadas para desenvolver essas características. A diferença fundamental é realmente o caráter compulsório que essa seleção especial teve nos regimes Stalisnistas (que não são socialistas, diga-se de passagem) e nos regimes Fascistas, assim como várias coisas eram compulsórias no mundo em várias áreas em vários modelos políticos, inclusive a democracia burguesa liberal (como por exemplo o alistamento militar do conjunto da população de alguns países, especialmente Israel, onde isso é à vera e não meia boca que nem no Brasil).

Um elemento importante sobre esse assunto é que há uma diferença grande entre o Nazismo e o Stalinismo na questão da educação. Apesar de haver um forte controle da educação em ambos os regimes, no Nazismo há instituições educacionais privadas (de todos os níveis de ensino) e no Stalinismo não. Isso por que há uma diferença social entre ambos: o Nazismo é o modelo autoritário do Estado Burguês; o Stalinismo é o modelo autoritário do Estado Operário. Portanto, muito da obrigação que certos indivíduos tinham de seguir os esportes, por exemplo (a principal carreira de investimento compulsório nesses regimes), no Nazismo, era feito por instituições privadas.

A proposta dos socialistas revolucionários (minha linha política) é a de que cada um siga a profissão que mais lhe aprazer, mas que haja uma política de formação continuada

- "investimentos pesados nas forças armadas, em indústrias que fossem beneficiar estas forças armadas e pesquisa tecnológica que pudesse ser útil militarmente"

Durante a Guerra Fria, isso era uma característica de ambas as potências (EUA e URSS) e uma necessidade. No entre-guerras, isso também foi uma política muito forte em ambos os países. Nos EUA, até hoje, isso é uma característica marcante, inclusive em relação a outros países... e qual o partido que mais intensifica o investimento militar dos EUA? O Republicano. É um tanto quanto estranho dizer que o partido Republicano é verdadeiramente fascista ou socialista. Preciso falar de Israel e seu fortíssimo investimento militar?
Aliás, é interessante destacar que, no nível ideológico, os dois governos tinham posturas muito diferentes quanto à Guerra. O Stalinismo tinha uma linha de evitar o conflito direto com os governos burgueses (principalmente com a política do "socialismo num só país"), o que o levou a sabotar diversas revoluções ao redor do mundo, inclusive dando os nomes dos membros do PC Chinês ao Kuomitang, o partido liberal burguês da China pré-Maoista. A Guerra Fria permaneceu fria justamente por que o PCUS evitava o conflito direto com os EUA e era contra o expansionismo (o que levou a convencerem Fidel Castro a ter conflitos com Che Guevara e dizer que não deveria haver "outra cuba" na América Latina). A tomada do Leste Europeu na Segunda Guerra não foi uma política do Stalinismo, mas uma política de massas, em que as pessoas espontaneamente, ao ouvir que o exército vermelho chegava, se levantavam em armas contra seus governos, tomavam o poder e o entregavam ao Exército Soviético (o que os fez se foderem magistralmente, especialmente quando o Stalin considerou vítimas do nazismo como inimigos do Estado). A maioria das revoluções socialistas do mundo se deram CONTRA  a política dos seus respectivos partidos comunistas ou, pelo menos, contra a política do PCUS, que, burocrática e oportunisticamente, se dizia pró-revolução durante o período revolucionário ou depois dele. Mao Tsé Tung, inclusive, era um dissidente interno do Stalinismo, e teve enfrentamentos com a URSS por causa disso. No campo ideológico, o Stalinismo dizia que o mundo seria pacífico sob a ordem do Estado Soviético.

O Nazismo era o exato oposto. Para o Nazismo, a Guerra era um momento em que a natureza humana se realizava, onde um homem conseguia glória e valor. Para eles, o Expansionismo era uma necessidade urgente e o militarismo não tinha como intenção protegê-los, mas atacar outros países. A maioria dos símbolos Nazistas envolviam simbologias de poder e guerra (como a águia e o machado envolto em cilindros de madeira). Para os Nazistas, nunca haveria paz, apenas a supremacia da raça Ariana.

A posição dos socialistas revolucionários sobre esse tema é que o uso de força militar é necessária para a proteção do Estado Operário, assim como qualquer Estado, mas que a organização local deve ser organizada localmente e que o método padrão de expansão do socialismo a qualquer país é a auto-organização da população ou sua reivindicação de intervenção frente a um governo repressor. Defendemos que os dirigentes do exército sejam votados, que os militares tenham direitos políticos plenos, bem como direitos trabalhistas (inclusive livre organização sindical e direito de greve). De qualquer forma, a centralidade do investimento em uma ou outra área deve ser uma votação de âmbito nacional e democrática, feita com base em discussão local e representação nacional. Se a prioridade votada for a militar, assim será; se não for, não será prioridade. Simples assim.

 - " monopartidarismo estando o "líder" do partido na posição de governante, supressão da oposição"

Isso realmente era uma característica fundamental de ambos os regimes (Stalinista e Nazista). Na verdade, eu iria além, eu diria que, em ambos, há um controle de todo o aparato estatal pelo partido dominante. Isso é uma característica do Totalitarismo, que se aplica ao Stalinismo e ao Nazismo.

Mas isso também é uma meia verdade... primeiramente que o Socialismo não pode ser confundido com o Stalinismo. No Período inicial da URSS, havia pluripartidarismo e isso sempre foi defendido pelos socialistas. O que acontece é que a liberdade de organização precisa ter um limite - e esse limite foi o de manter-se sem levantar armas contra o governo dos Soviets (uma política de excessão característica do período do "comunismo de guerra", planejado para ser uma situação temporária). Os outros 2 partidos se levantaram contra o governo soviético - os Kadetes e os Mencheviques do POSDR, que eram parte do governo liberal que foi derrubado pela revolução e se alinharam com o imperalismo internacional com o exército branco contra-revolucionário... os anarquistas também criaram um exército próprio e enfrentaram ambos o Exército vermelho e o branco: uma política que só prejudicou a luta contra o terror branco e o imperialismo, causando conflitos em várias áreas.

O Stalinismo, de fato, proibiu a existência de outros partidos e qualquer forma de oposição, mesmo interna ao partido. Mas isso não quer dizer que o Stalinismo tenha sido monolítico durante todo o tempo. Depois de Stalin, os PCs ao redor do mundo conseguiram muito mais autonomia teórica acabando por gerar posições assumidamente reformistas em vários partidos no mundo. Na Própria URSS, o Khrushchev, por exemplo, não era líder absoluto do partido e alguns setores divergentes voltaram a se desenvolver no interior do PCUS. Então, um certo nível de oposição passou a ser permitido, mas é válido localizar que essa era uma oposição à direita, mais para centro, num espectro geral. Ou seja, a supressão total de toda e qualquer forma de oposição não é uma característica intrínseca do Stalinismo. É claro que, independente desse fato, o regime era extremamente totalitário e, portanto, repressor - mas não podemos igualar o Stalinismo pós-Stalin ao Nazismo Hitlerista.

O regime político do Nazismo se assemelha mais, nesse sentido, ao Stalinismo da era Stalin. Qualquer Stalinista concorda que deve haver espaço para alguma divergência interna ao partido comunista... os Nazistas não aceitam qualquer oposição, pois a fala do líder é parcialmente divina.

Os Socialistas Revolucionários são ortodoxos nesse ponto: nenhuma oposição que não se levantar contra o governo em armas será reprimida. Na verdade, Trotsky, sobre a imprensa, dizia que todos os grupos políticos (inclusive burgueses) deveriam ter acesso a meios de produção de imprensa correspondentes à sua relevância social (e, portanto, não pelo seu poder econômico). Essa relevância seria definida pela demanda de gente pelo material dos respectivos grupos políticos. Aliás, nós defendemos que qualquer grupo (político ou não) tenha acesso a meios de comunicação de acordo com sua relevância social, no mesmo critério. Hoje, com a internet e a possibilidade infinita de meios de comunicação (canais online de vídeos, páginas em redes sociais, etc.) nem precisa haver limitação das formas de comunicação nem por esse sentido, só nas formas impressas. Além disso, defendemos que as posições políticas não-organizadas também devem ter voz e espaço de participação direta nas decisões. Decisões diretas locais e representativas a nível macro. Lembrando, claro, que essa representação seria controlada localmente, revogável, obrigatoriamente transparente e as pessoas não ganhariam salários especiais por isso - receberiam a remuneração média de um operário qualificado. O mesmo vale para membros da administração social. Além disso, defendemos a autonomia dos sindicatos e da organização da sociedade civil.

 - "perseguição de minorias (principalmente religiosas)"

Isso também é uma característica totalitária em comum. Mas devemos diferenciar quem são as minorias de cada regime - e isso faz muita diferença.
No Stalinismo, as minorias eram essencialmente os LGBTs e minorias culturais, como os rockeiros. As minorias religiosas eram perseguidas assim como as maiorias - a manifestação religiosa era proibida. Não foram postos todos os cristãos em Gulags, nem todos os protestantes, nem todos os judeus. Não havia uma preocupação real com saber a origem religiosa das pessoas, nem a genealogia delas, nem se eram batizadas ou não. Se não se manifestasse religiosamente, não haveria repressão. Isso é uma atrocidade, obviamente, mas é bem diferente do Nazismo.
No Nazismo, os Judeus e outras minorias religiosas eram perseguidos sistematicamente, caçados. Podiam ficar calados em seus cantos, sem se manifestar religiosamente... mas se fossem filhos de judeus, etnicamente judeus, ou tivessem se convertido em algum momento, eram vítimas de perseguição. Isso é uma diferença bastante significativa... tanto que quando o Stalinismo caiu, as religiões ressurgiram - e no Nazismo não. Até por que o Nazismo defendia uma religião que sempre foi maioria na Alemanha e no ocidente: O Cristianismo.

O caso dos LGBTs é comum aos dois e ambos eram tremendamente homofóbicos. A ideia de sexualidade voltada para a reprodução e o comportamento "natural" e, ao mesmo tempo (e contraditoriamente), "civilizado"/"superior" dominou ambos os regimes. Nesse caso não tem nem o que diferenciar mesmo.

O Rock não existia na época do Nazismo e o Jazz não chegou a alcançar a alemanha na época do Nazismo, mas ele era um sistema que emblemava a cultura alemã (os parceiros italianos e japoneses faziam o mesmo com suas próprias culturas) acima de todas as outras por uma ideia de que os Arianos seriam a "raça superior"/"povo escolhido por Deus". Essa é uma diferença bem grande em relação aos Stalinistas, que defendiam o nacionalismo de cada país, com sua cultura popular local. O Rock foi perseguido por ser visto como uma capitulação ao Imperialismo dos EUA, um alinhamento com o liberalismo, ou qualquer coisa do tipo... além de ser uma ameaça à ordem, pela sua posição de enfrentamento com as autoridades autoritárias em geral. No Brasil, um Nazista rejeitaria o Samba, por exemplo, por ser de origem inferior... mas os Stalinistas usaram muito do samba como forma de manifestação cultural do Realismo Socialista no Brasil.

Além disso, é importante recordar que o Stalinismo não é abertamente racista. Não havia perseguição racial na URSS (ou pelo menos nenhuma que tenha sido relevante o suficiente para caracterizar o regime) e não havia a ideia de uma "raça superior" - tanto que os partidos comunistas cresceram na África, na América Latina e no Oriente Médio com vários membros negros, árabes, latinos e indígenas, sendo, muitas vezes, pioneiros nisso. Os Nazistas consideravam toda e qualquer "raça" que não os "arianos" ou os japoneses (chamados de "arianos do oriente") era inferior e deveria ser subjugada e escravizada - isso levou à perseguição em massa de judeus, negros e ciganos, por exemplo.

Na verdade, várias democracias liberais perseguiram minorias religiosas e culturais, proibiram o samba e prenderam sambistas; proibiram e prenderam rockeiros; fechando terreiros de umbanda e candoblé; a população negra na América sofre uma política organizada de extermínio sistemático disfarçada de "guerra ao tráfico" ou "segurança pública"; nos EUA, existe perseguição muito clara a árabes em nome da "guerra ao Terror"... e os exemplos vão se alongando.

Os Socialistas Revolucionários defendem a liberdade religiosa e o Estado Laico. Também defendemos e estimulamos a auto-organização e manifestação dos setores oprimidos e qualquer grupo de opinião. Temos uma preocupação especial com dar conta das demandas específicas dos grupos oprimidos, defendendo políticas voltadas para esses setores, que corrijam as desigualdades. Além disso, defendemos a anarquia na arte - toda e qualquer forma de arte deve ser estimulada e todo grupo cultural deve incentivado a se afirmar culturalmente se não estiver reproduzindo nenhuma forma de opressão.

 - "tortura e execução de dissidentes políticos"

Bom, talvez as pessoas não estejam cientes, mas isso acontece hoje em dia em todas as democracias liberais do mundo, especialmente as dos países periféricos. Sabemos muito bem que existe perseguição a organizadores seringueiros e ambientalistas na Amazônia, perseguição a ativistas políticos em quase qualquer lugar do país... vários foram os mortos em conflitos por terra/moradia ou em movimentos mais radicais e até grevistas. Morreu um jovem nas manifestações do ano passado em MG (teve mais gente, mas é só esse que eu me lembro no momento), muita gente foi presa durante e depois disso. O governo Dilma começou com presos políticos na visita do Obama ao Brasil. O governo FHC também tem uma lista enorme de perseguidos políticos e mortos. Essas ações são civis e estatais. Sabemos que o aparato militar da nossa política é bem preparado para torturar e matar especialmente negros, e sabemos que uma parte desse treinamento serve para ativistas, que já foram vários presos arbitrariamente pela polícia, agredidos e alguns mortos.

É bem mais light que uma ditadura aberta, mas não dá pra dizer que isso seja exclusividade do Nazismo ou do Stalinismo.

- " uma economia onde você tinha o direito a ter a sua empresa, desde que o governo dissesse que tipo de empresa, quem você contratava, quanto pagar de salário para os seus empregados, qual o preço que você deveria vender os seus produtos e caso você desobedecesse o governo simplesmente intervinha na sua empresa (de fato você era simplesmente um administrador de uma empresa que pertencia ao governo)"

Na verdade, no Stalinismo a maioria não tinha o direito de ter sua própria empresa, especialmente em certos setores da economia. Nesse caso, a propriedade era diretamente Estatal e os administradores dela podiam ser simplesmente retirados de seus cargos por ordens de seus superiores Estatais... era uma tarefa burocrática e não privada. O Burocrata Stalinista não era dono das riquezas geradas pelas empresas, apesar de receber grandes benesses extraídas desse controle. No Nazismo, os empresários continuavam sendo proprietários dos meios de produção e o lucro das empresas pertencia a eles - eles eram os patrões mesmo, não só na aparência.

O Governo Nazista não dizia para o indivíduo específico qual tipo de empresa ele deveria ter, nem tabelava todos os preços e nem ficava intervindo nas empresas o tempo todo. O governo nazista preservou a existência de mercado e estava muito longe de planificar a economia. Ele certamente não era um governo liberal, então não deixava a economia correr solta... mas todo mundo que intervém na economia é socialista ou nazista? Isso é de um reducionismo brutal. Existem várias nuances de intervenção do Estado... e o Estado Soviético planificou a economia! Ele fazia planos de cinco em cinco anos com as metas de produção, controlava todos os preços de todos os produtos, decidia todo o andamento da produção, mesmo os meandros burocráticos. O Nazismo intervinha em empresas que estivessem politicamente em desalinho com a política do Estado - ou seja, proibia de contratar setores perseguidos pelo governo e intervinha mais diretamente em setores chave da economia. No Stalinismo, os administradores das empresas eram TODOS membros do PCUS. No nazismo, uma pessoa que não era do partido nazista podia ter empresa e administrá-la, só tinha que jurar fidelidade ao Führer.

Várias democracias liberais monopolizam setores produtivos de maior importância e muitas delas intervêm fortemente nesses setores, chegando até a tabelar preços em alguns casos. É uma medida emergencial e, geralmente, temporária, mas não é uma exclusividade "nazista"/"socialista" - e pelo que podemos perceber, existe uma diferença substancial entre o nível de controle da economia em cada um.

Os Socialistas Revolucionários defendem um Estado que planifique toda a economia e em que toda ela seja determinada por planos econômicos coordenados e votados democraticamente pela população, a serem definidos nacionalmente em linhas gerais e aplicados localmente de maneira ajustada à realidade específica. Defendemos que as chefias sejam votadas pelos trabalhadores, sejam revogáveis e cumpram um papel progressivamente menos central, sendo em última instância substituídos pelos conselhos operários.

Bom, tratados todos os pontos que ele colocou, vou tratar de alguns que ficaram de fora...

Não podemos observar a dinâmica histórica sem observar que setores sociais estão se movimentando em que direção para construir os fenômenos políticos. O que isso quer dizer? Não podemos ver a história como uma fotografia parada de uma parte específica do fenômeno (nesse caso, as táticas de controle Estatal). Fazer isso é uma simplificação histórica. Quem fez o quê quando? Quais os interesses por trás dessas políticas? A quem elas beneficiam?

Dizer que uma política beneficia o governante é um tanto quanto ingênuo... é claro que qualquer política que não for uma conquista dos movimentos sociais vai ser sempre um benefício para os governantes - se não formalmente, informalmente... e isso vemos com mta clareza na política Brasileira e da América de conjunto. E os governantes são uma classe própria, separada do resto da sociedade? O governantes flutuam no mundo? Não.. existem interesses que eles representam e setores sociais que se mobilizam para colocá-los onde estão.

No caso do Nazismo, um setor importante do empresariado industrial sofria com o forte movimento operário (composto muito por judeus pobres), a tendência retrativa do capital financeiro (controlado bastante por judeus também) a instabilidade econômica brutal (inflações bizarras flutuando todos os dias), muita insegurança na economia... e era um patronado forte, com uma grande influência nas decisões políticas do país. O partido Nazista, com seu grande oportunismo teórico (fazendo referências incoerentes a autores diferentes de discurso a discurso, se apegando a qualquer coisa que parecia mais aprazível às massas), tinha uma grande influência nas massas insatisfeitas com a cultura liberal (que sempre foi predominante na Alemanha) e um grande apoio dos setores conservadores rurais ligados à Igreja Católica.

Durante um tempo, esse empresariado industrial apostou na República de Weimar e sua política semi-liberal. No contexto da Alemanha do entre-guerras, os prejuízos da Primeira Guerra eram muito grandes e o descontrole da política liberal levaram a economia à loucura. Esses mesmos industriais viraram de lado e apoiaram a eleição do Hitler. Por quê essa virada? Por que as políticas liberais não davam segurança ao mercado alemão e prejudicavam demais os lucros e a viabilidade da atividade econômica no país. Era necessária uma política de contenção econômica, que segurasse a inflação, regularizasse a produção e permitisse que as empresas conseguissem vender suas mercadorias de maneira suficiente. Para isso precisavam de uma população com poder de compra, mas atmbém de mão de obra barata, e uma noção maior das demandas do mercado, bem como uma retração do crédito. Isso, apesar de ser inflacionário em médio/longo prazo, era a necessidade imediata. E o partido que tinha condições de aplicar essa política era o Partido Nazista.

Ao mesmo tempo, por causa da falência da política liberal da República de Weimar, os trabalhadores cada vez mais se moviam em direção ao apoio ao Partido Comunista Alemão e ao Espartaquismo descendente da Rosa Luxemburgo. O Fantasma da revolução social rondava a Alemanha e a Itália. A miséria era enorme, a inflação era tenebrosa... se isso continuasse, o movimento social poderia se agitar demais. Era necessário, portanto, não só a aplicação de uma política econômica intervencionista/anti-liberal, como também era necessária uma forte repressão aos movimentos operários. Isso tudo exigia o totalitarismo. A apatia do Partido Comunista e sua confusão política permitiu a ascensão do partido nazista.

Além disso, era necessário que houvesse trabalho escravo e semi-escravo que permitisse o avanço da economia.. e isso foi conseguido com o trabalho de setores oprimidos que foram postos em trabalhos forçados auxiliando alguns setores da economia. O trabalho forçado permitiu a expansão da produção industrial e reduziu a quantidade de remuneração por pessoa, permitindo um aumento da capacidade de consumo individual e uma redução dos preços e do dinheiro circulando na economia (portanto também a inflação), valorizando a moeda... e tudo isso sem criar endividamento com o sistema financeiro. Ou seja, os maiores beneficiários do Nazismo foram os Industriais que o ascenderam ao poder.

...

O processo que gerou a revolução de outubro é completamente inverso. O Empresariado industrial nacional era muito recente, ligado com o empresariado internacional, fraco política e economicamente, e associado com a aristocracia semi-feudal do campo. Os Mencheviques, que se tornaram o centro do poder político na revolução de fevereiro, fizeram alianças com o empresariado industrial e os Kadetes, ficando presos, assim, à política internacional da época da primeira guerra, inclusive o envolvimento com a guerra. Os esforços de guerra e a capitalização da economia russa levou à falta de acesso de boa parte da população, especialmente nas cidades, a produtos de primeira necessidade. No campo, os camponeses eram recrutados em massa para lutar na guerra, prejudicando a produção familiar e expondo milhares de jovens à situação precária da atuação da rússia na guerra.

O governo dos Mencheviques e dos Kadetes se apoiava no movimento de massas que os colocou no poder através da auto-organização e dos soviets (conselhos populares), foi perdendo apoio conforme os trabalhadores iam percebendo que não haveria mudança substancial de política econômica. As revoltas contra o governo foram aumentando... ao ponto que os trabalhadores de Moscou chegaram a quase votar a tomada do poder... e voltaram a se radicalizar. Os mencheviques davam cada vez menos importância pros soviets, mas eles foram crescendo em poder de mobilização.

Os bolcheviques continuavam apostando nos soviets e nos sindicatos como instrumentos de organização da sociedade, o que os fez receber muita moral dos trabalhadores... mas os bolcheviques só foram se tornar maioria no conselho dos soviets depois de outubro, e, mesmo assim, depois de um ou dois conselhos. Quando da tomada do poder, os bolcheviques votaram a tomada do poder enquanto partido durante a preparação do conselho dos soviets, tomaram o palácio do Czar e, quando o congresso dos soviets rolou, DERAM o poder ao conselho, que elegeu um comissariado bolchevique apesar da maioria de Mencheviques. Através dos Soviets foi organizado o exército vermelho para combater o exército branco. Os industriais e aristocratas perderam, portanto, o poder com a tomada do palácio e ele foi transferido ao conselho dos soviets e, portanto, aos trabalhadores, que, apesar de sua direção ainda menchevique, impôs que os soviets governassem e concedessem cargos aos bolcheviques. Depois disso, os Mencheviques esvaziaram os soviets juntos dos Kadetes e muitos se uniram ao exército branco.



"Ah, mas se os mencheviques e Kadetes saíram do conselho dos soviets é por que já viam que ia dar merda". Na realidade, os Kadetes eram liberais e, portanto, defensores da propriedade privada e do capital e simplesmente se alinharam com quem tinha a mesma postura deles. Os Mencheviques é que eram mais ideológicos e criticavam os bolcheviques por acharem que a revolução tinha que acontecer depois de o país desenvolver seu próprio capitalismo. Os mencheviques eram contra o governo dos soviets e preferiram combatê-lo a disputá-lo. Pra se ter uma idéia, muitos anarquistas participavam do governo dos soviets, defendendo que era o caminho para a anarquia, por ser muito mais democrático que qualquer democracia da história... isso mudou com o comunismo de guerra, quando eles resolveram conspirar contra o governo dos soviets e os bolcheviques ficaram isolados no governo.

Claro que muitos erros foram cometidos no decurso do comunismo de guerra... mas o partido se dividiu nesse período. Um pequeno estudo sobre a história do partido comunista nessa época pós-Lênin demonstra que o Stalinismo era o setor centrista do partido contra a oposição de esquerda liderada pelo Trotsky e a direita do partido que defendia um retorno ao capitalismo. A ascensão do Stalin veio com vários problemas de democracia interna do partido levando Trotsky e a direita do partido a fazerem uma oposição unificada em prol da democracia do partido... mas foram derrotados e reprimidos. O Partido foi enchido de burocratas do antigo czarismo de maneira oportunista, engrossando as fileiras Stalinistas. Muitos quadros do partido morreram na Guerra Civil e a classe trabalhadora também. A Política do Lênin de expandir a revolução para outros países para fortalecer a URSS fracassou por falta de apoio e pela doença dele, levando ao isolamento econômico e militar da URSS. Isso fez boa parte da base política do governo dos soviets ser fisicamente exterminada pelo exército branco. Quando a revolução acabou os setores mais avançados da classe, especialmente a classe operária, tinham sido exterminados fisicamente na guerra contra o exército branco. Quem entrou no lugar foi uma leva de camponeses mudados e sem a experiência política que fez a revolução. Lênin chegou a dizer "A classe operária que fez a revolução morreu na guerra civil". Esse setor se alinhou muito com o Stalinismo e se afastou da participação política nos soviets, que foram esvaziados pelo Stalinismo. Essa política foi internacionalmente enfrentada pela oposição interna, mas o Stalinismo perseguiu, torturou e matou dentro e fora do partido. A maioria do Comitê Central do Partido Comunista, que fez a revolução, foi assassinada, exilada ou morreu de maneira suspeita. O Stalinismo se aproveitou do extermínio burguês da classe trabalhadora para sustentar o extermínio físico dos revolucionários do partido e forçar boa parte a se aliar a ele.


Como o governo dos soviets era sustentado pela participação política dos trabalhadores, o Stalinismo trabalhou ativamente para atrasar os movimentos sociais na Rússia e depois no mundo. A 3a. Internacional, fundada na época de Lênin e da guerra civil, foi oficialmente fechada por Stalin. Os partidos comunistas agora respondiam diretamente a Moscou e o nacionalismo começou a fazer parte da teoria política comunista, contradizendo a teoria do imperialismo de Lênin. E nasceu o aborto lógico e político chamado "socialismo num só pais", em que Stalin defende explicitamente que não deve haver revolução fora da Rússia e que os tratores russos são mais importantes que militantes estrangeiros... nesse momento ele defende que a política fora da Rússia é a união com o empresariado nacional "progressista", ou seja, que os comunistas deveriam entrar no jogo político burguês e defender governos burgueses, fazer alianças com patrões e, portanto, segurar as mobilizações dos trabalhadores para preservar a burguesia nacional e os governos que eles viessem a apoiar, especialmente os industrialistas, muito comuns no entre-guerras e durante meados do século XX. Stalin caluniou a oposição e a 4a. Internacional fundada por Trotsky. Stalin desestruturou a política dos bolcheviques de combate à opressão da mulher; ignorou a descriminalização da sexualidade que havia sido instaurada antes; instaurou um centralismo no exército vermelho...

É perceptível nesse caso que o processo é oposto ao do Nazismo nas suas origens e bases, mas que o Stalinismo também cumpre o papel de reprimir e enfraquecer o movimento dos trabalhadores e fortalecer os empresariados nacionais... e justamente por isso, por essa mediação política, que o Stalinismo é repressor. É por precisar da desmobilização dos trabalhadores que ele é repressor. Então aquela idéia tradicional de que o "radicalismo" é que traz a repressão é falsa. O setor democrático do partido comunista era justamente o setor mais radical à esquerda, e era democrático justamente por que era mais radical - por que não queria mediações com a burguesia nacional, não queria governar com os ricos e poderosos, mas sim, queria avançar com a revolução internacionalmente e sustentar o governo dos soviets.

Bom, esse texto já tá bastante grande. Não acho que vá conseguir convencer todo mundo que ler esse texto, mas espero que a maioria saia daqui com a idéia de que o <nazismo é socialista> desconstruída. Que entendam que os totalitarismos não são iguais e nem tudo que não é liberal é socialista. Se alguém entendeu isso, me dou por satisfeito.


Não vai dar pra responder meu outro amigo aqui, então deixo pra um outro post :)

Vontade e Sabedoria na Guerra!

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