Muitos hoje são os que renegam o
papel que o sexo conseguiu adquirir hoje, ainda que com várias ressalvas, o de
“sexo por prazer” ou “sexo pelo sexo”. Não que esta seja a única forma que o
sexo assume hoje, mas que essa é a uma forma que ressurge no presente como
“novidade” (apesar de termos vários povos antigos de nossa linha civilizatória
e fora dela em que isso já existisse) e que é alvo de diversas análises tanto
nos meios acadêmicos quanto nas cabeças das pessoas. É uma questão, e por isso
vale a pena posicionar-se sobre ele.
Primeiramente vale relembrar de
onde ele surge e por que ele existe entre nós hoje. Nossa civilização havia
abandonado o sexo por prazer como prática majoritária há séculos (inclusive,
muitos povos oprimidos, como várias tribos negras, por exemplo, foram
recriminados e tratados como “menos civilizados” por terem essa prática) e a
substituído pelo “sexo exclusivamente
para a reprodução”. Mais que isso, havíamos substituído ele pelo “sexo como
pecado”, ou seja, não só colocado o sexo como cumprindo uma função específica,
mas o tornamos mais que indesejável, mas até recriminável.
Dá-lo como recriminável quer
dizer, na realidade, renegar uma característica dele, que é o prazer. A negação
do prazer é uma distorção tão absurda que chegou até mesmo a fazer achar-se que
ele não existia nas mulheres.
Por sinal, essa história de sexo
por prazer ser negado e tudo mais é bem uma coisa de ideário e opiniões gerais,
posturas recomendadas, do que propriamente um comportamento amplamente adotado
e colocado. Para os homens, o sexo por prazer sempre existiu, inclusive às
custas de estupros e prostituição; para os homens, ele nunca deixou de existir,
e sempre esteve presente de uma forma ou de outra na vida; para as mulheres, o
que vingou mesmo foi o sexo por reprodução e como pecado, tanto na forma de o
homem fazê-lo com sua esposa apenas para reprodução, sem nenhuma preocupação
com o prazer dela, ou na forma do homem fazendo sexo por prazer com a
prostituta ou pelo estupro, ambas as formas que, claramente, não geravam prazer
nenhum – curioso identificar que, inclusive, por causa disse, a nossa
civilização chegou a “esquecer” que existia o orgasmo feminino e ele teve que
ser provado cientificamente para que se pudesse voltar a falar dele.
Mas o que importa é que o que dá
lugar para que possamos abandonar, na nossa história, o sexo como pecado e
exclusivamente para a reprodução. É, primeiro, a redescoberta do prazer sexual
feminino e, depois, a mudança do eixo da vida do campo das imposições dos papéis sociais estáveis para o campo da vontade, aquilo que se convencionou
chamar de liberdade. O sexo por
prazer não veio de uma degeneração, uma perda de limites, uma falta de moral,
nem nada do tipo. Veio de uma conquista histórica importantíssima que foi a
de deixar as pessoas decidirem seus próprios caminhos. Agora podemos escolher com
quem casamos, com quem vivemos, com quem trabalhamos, que opiniões políticas
temos... e com quem transamos. Parece estranho, mas nada disso era decidido na
era do sexo exclusivamente para reprodução e do sexo como pecado. Foi esse
direito de escolha (claro que com todas as limitações que a sociedade nos impõe
cotidianamente, ou seja, mais precisamente, a elasticidade do espectro de
escolhas possíveis) que nos trouxe de volta o sexo por prazer.
Sexo por prazer, portanto, é
conseqüência da nossa liberdade, da nossa possibilidade de poder escolher de
namorarmos com uma pessoa e casarmos com outra, de termos filhos com uma pessoa
e transarmos com outra; de fazer sexo com uma pessoa e amar outra.
Isso já seria motivo suficiente
para libertar o sexo por prazer das críticas, mas o centro aqui é questionar a
relação do sexo por prazer com a superficialidade, sua maior acusação.
Bom, o que eu disse antes não foi
enchessão de lingüiça. O sexo por prazer tem a ver com liberdade de escolha, não com superficialidade. Superficialidade é
outra coisa, com a qual se tem, majoritariamente, misturado o sexo por prazer.
Sexo por prazer quer dizer apenas
isso: sexo movido por prazer, feito para atingir prazer. Ou seja, feito com motivação subjetiva. Um
estupro pode ser sexo por prazer, assim como o entre dois amantes: o princípio
dos dois é o mesmo. O que diferencia os dois é, fundamentalmente, o fato de ser
consensual. O motivo de ser consensual pouco importa, pois outras formas de
sexo por prazer também envolvem consenso e não são movidas por amor.
Dizem, a partir daí, que sexo por
amor é mais válido do que sexo por prazer. Isso é uma loucura, partindo do
pressuposto que sexo por amor é também sexo por prazer. Se o sexo for ruim, as
pessoas vão se amar de outras formas. Existem várias formas de amar, o sexo é
só uma delas. Por que optaram por essa forma? Pelo simples fato de que ele
proporciona um prazer que outros não proporcionam. Ou seja, a motivação permanece
sendo o prazer.
Mas, para além disso, só se
poderia justificar uma hierarquia entre os dois a partir de dois critérios: o
prazer (que é uma questão meramente conjuntural) ou o envolvimento entre os
dois. Em geral se critica pelo segundo.
Mas o uso desse critério é um
retorno, mesmo que envergonhado e não confesso, ao sexo como pecado: ou seja,
como não recomendável, como não desejável, ou seja, sendo negado. Abre-se a
exceção, como era antes a reprodução, para o amor.
Não vale dizer que é a mesma coisa,
por que o amor minimamente é, ainda que muitos achem que não, é uma questão de
escolha subjetiva. É ainda você querer uma pessoa. Mas continua impondo uma
restrição que pouco tem a ver com a liberdade, que está presente no desejo.
Mas o que poderia tornar então
imoral o sexo casual, ou seja, sem envolvimento afetivo profundo? Dizem, a
superficialidade, que trata o outro como objeto, ou seja, a transformação do
prazer numa mercadoria e o outro numa coisa impessoal, ou seja, uma
impessoalização do sexo.
Essa é certamente uma opção
bastante visitada entre os modernos atores sociais, especialmente os homens. As
mulheres, no entanto, tentando fugir de sua objetificação, acabam recorrendo a
uma concepção (muitas vezes não seguida) de sexo por afinidade ou amor. Parece
que estas são as duas únicas formas de se relacionar sexualmente: por amor e
sem objetificação ou por prazer e com objetificação. É natural que se pense
isso nos marcos de uma sociedade de impessoalidade, extrema individualização e
um claro afastamento a priori dos indivíduos, ou seja, uma alienação
generalizada.
Existe, no entanto, uma
alternativa a esses dois modelos. É algo marginalmente praticado, mas que é
feito de maneira muitas vezes inconsciente; tão inconsciente que, na tentativa
de entender o que se faz, tenta-se adequar o se pensa e sente em relação a essa
relação adequando-a, a posteriori, a
um dos dois modelos. Isso é uma forma de pensar que ignora a existência de
focos de desalienação fora a amizade e, mais especificamente, o amor.
Estou propondo que é possível
haver sexo causal, ou seja, pura e simplesmente por prazer, como uma
alternativa de sexo plausível e executável, que não envolve objetificação.
Um sexo casual pode ser realizado
com a percepção do outro como sujeito tanto quanto eu, ser feito em base a uma
busca conjunta por prazer, na qual ambos estão e na qual se ajudam a chegar. O
outro não é um instrumento de busca, mas um companheiro de viagem, alguém com
quem, mesmo que só uma vez, compartilhou conosco isso que é o fundamento do
sexo, o prazer. Não é necessário que se ame alguém ou que se tenha uma amizade
prévia para se ver essa pessoa como um sujeito de suas ações e como um
companheiro de viagem, apenas a compreensão sincera do outro como tal.
O sexo casual já pressupõe essa
base, mesmo que os indivíduos não o realizem, já que ele pressupõe dois
indivíduos que consentiram em
fazê-lo. Na verdade, objetificar o outro nessa relação é
esconder o seu real caráter, o real caráter deste sexo, que é o sexo feito por
dois indivíduos autônomos que livremente escolheram compartilhar prazer, pois
cada um só se envolveu nisso a fim de encontrar esse prazer que só pode ser
encontrado com outros. E esse outros pode ser mais uma pessoa ou mais, afinal,
o que determina é prazer.
Desalienar não é apenas
conhecendo a pessoa, mas é considerando-a como um ser humano igual e com tanto
direito de tudo quanto nós, ou seja, no caso do sexo, é levar em consideração o
prazer do outro e tê-lo como prazer para nós mesmos, pois não vemos as pessoas
objetos de desejo, mas como promotores deste mesmo desejo e como agentes do
nosso prazer, como igualmente responsáveis por ele – e logo nós,
reciprocamente.
Conhecer a pessoa ou não é apenas
uma questão que tem sido usada como referência para os que querem fugir dessa
liberdade e da objetificação dominante. Mas o fato de a objetificação ser
dominante não exclui a possibilidade de ela ser a negação da relação e nem
mesmo exclui a possibilidade de ela não ser a única forma.
Concordo. Só queria observar q, pelo menos pra mim, sexo casual é diferente de sexo com qualquer um. Não é só busca pelo prazer, mas realização de um desejo. E ninguém tem desejo por qualquer um, logo não faz sentido fazer sexo com qualquer um. Mas também não faz sentido inventar regras além do desejo que acabem dificultando a busca pelo prazer.
ResponderExcluirTaí uma coisa q eu não cheguei a pensar em explicitar, mas é importante diferenciar mesmo..! Sexo movido por prazer e por desejo, o critério é subjetivo, mas existe
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