Chegamos à parte final dos três artigos sobre polifobia
deste blog! Se você está lendo este aqui primeiro, sugiro que leia primeiro
esse aqui e depois esse aqui. De qualquer forma, a proposta aqui é falar de
como podemos combater a polifobia no nosso cotidiano. Acho que esse é um tema
que toca a maioria de nós, mais ainda que sistematizar a polifobia. Mas é
necessário que a sistematizemos para que saibamos como combatê-la. Por isso,
vou partir da sistematização feita na Parte 2 e nas informações que extraí da
pesquisa que fiz para a minha monografia. Vamos lá?
Primeiramente, é preciso ter consciência de que o poliamor é
um fenômeno histórico recentíssimo e que questiona uma instituição milenar, que
é a Monogamia. Por isso, não é de se esperar que seja fácil ou rápido superar a
polifobia que existe na sociedade. No nível individual isso é um pouco
diferente, mas vale lembrar que o pessoal é politico e, portanto, o que vivemos
no nosso individual, por mais que seja específico, é também um agente de mudança
no coletivo e é submetido às características do coletivo.
Tudo isso quer dizer que não devemos ter a ilusão de que
vamos acabar com a polifobia só com as nossas atitudes individuais e nem de que
a sociedade de conjunto vai estar pronta para uma mudança coletiva em como se
vê o poliamor antes de conseguirmos avançar para uma nova sociedade. Minha
especulação (com certo nível de suporte teórico) é de que o mais longe que
podemos chegar nessa sociedade é de termos o apoio de uma maioria entre os monogâmicos, o que
nos permitiria ter muitos avanços em termos de direitos e reconhecimento. Mas
isso é o limite, pode ser que nem cheguemos a isso antes de uma transformação
geral da sociedade em todos os outros aspectos (como a história nos prova,
transformações políticas, sociais e econômicas costumam preceder transformações
nas formas de ver as coisas).
Bom, trabalhando primeiro no nível individual, temos algumas
experiências que dão certo.
Primeiramente que nossos amigos menos próximos
dificilmente vão superar suas polifobias. É mais provável que as pessoas mais
próximas (principalmente entre os amigos) entendam melhor o que é ser
poliamorista, aceitem isso e até se tornem polis, com a experiência de ver o
quanto a(s) sua(s) relação(ões) é/são séria(s), te oferece(m) real apoio, o
quanto que você realmente a(s) ama, o quanto vocês são importantes um(s) para
o(s) outro(s). Percebendo isso, as pessoas próximas vão conseguir entender
melhor do que se trata o poliamor.
Mas não se deve deixar de tentar explicar e
sanar as dúvidas (por isso, entender teoricamente o poliamor é fundamental).
Existem experiências de pessoas que conseguiram alcançar um estágio em que os
amigos mais próximos aceitam e respeitam o seu poliamor ao ponto que os mais
distantes não se sentem à vontade pra oprimir e às vezes são convencidos pelos
seus amigos de que estão errados em suas polifobias.
Na família a coisa é bem mais complicada, especialmente se
você for mulher. A maioria dos pais, por mais progressistas que sejam, se não
forem polis, dificilmente vão aceitar o seu poliamor e vão querer escondê-lo de
si mesmos e do resto da família – vão te tratar como motivo de vergonha para a
família e provavelmente vão interditar a presença de seus parceiros em casa;
mesmo que teoricamente aceitem a sua afetividade. Isso é muito difícil de
resolver e não vi ninguém que tenha conseguido resolver esse problema. Em
alguns casos, se manter no armário para a família é até melhor por evitar dor
de cabeça desnecessária.
Com irmãos é diferente, mas depende da relação que
eles têm com você. Se eles são próximos, o mesmo que acontece com os amigos
próximos pode se aplicar a eles. Mas é muito comum que irmãos não te vejam como
alguém que tem qualquer tipo de “autoridade” para convencê-los do contrário do
que pensam. Isso serve para entendermos que, na atual conjuntura, não somos
capazes de ter o apoio de todo mundo. De qualquer forma, uma tática que pode
ajudar é pôr seus parentes para conversarem com outros polis que tenham uma visão
parecida com a sua.
No trabalho a coisa é ainda mais complicada, por que pode
envolver riscos de demissão ou prejuízos na carreira. O ideal é que nesses
ambientes se comece pelo teórico e se veja qual a abertura que existe para o
assunto. Aqueles que parecerem mais tolerantes (provavelmente com o argumento “comigo
não, mas não sou contra”) podem ser pessoas pra quem você pode se expôr mais.
Se você for um funcionário público, que não tem o risco de
ser demitido por causa disso, é bem mais fácil de se expôr e pode ser que a convivência com a
sua experiência os faça naturalizá-la (apesar de provavelmente continuarem com
a visão de que isso “é coisa do fulano”, sendo o fulano você) – mas é provável
que comentários desagradáveis, tentativas de conversão, investidas sexuais e talz, aconteçam
durante o processo. É preciso ter paciência para não sair dando patadas
gratuitas para coisas que às vezes a pessoa simplesmente não entende, mas
também firmeza e conhecimento para poder desbancar e desmoralizar os argumentos
deles – aqui não cabe a idéia de que “cada um tem a sua opinião” por que as
pessoas não vão se calar quanto a o que você vive.
Quem trabalha em áreas artísticas pode ter muito mais espaço
para viver seu poliamor e receber aceitação, mas não devem cair na armadilha de
achar que as pessoas progressistas são mais aberta ao poliamor, por que não
são.
A maioria dos polis que conheço e que estudei, no entanto,
mantém sua identidade poli em segredo no trabalho.
Se você faz terapia e seu terapeuta não aceita o poliamor ou
não quer que você seja poli, troque de psicólogo/psiquiatra. Esse tipo de gente, muitas vezes, simplesmente reproduz o senso comum quanto a esse assunto, por que
o estudo sobre ele é recente. Além disso, o terapeuta não tem que intervir
nesse tipo de coisa. Se ela(e) se mostrar aberta(o) para repensar sua visão
sobre o poliamor, aí pode-se dar uma colher de chá. De qualquer forma, a
Pratique Poliamor RJ tem um membro que tem quem indicar para terapeuta que
conhece do poliamor e o aceita em seus pacientes.
Aqueles que militam em algum movimento/partido devem ter ainda mais preparo teórico, apontar que exite uma opressão ao poliamor e que muitos argumentos que
eles usam podem estar ligados à polifobia. Mas também não se pode ter a ilusão
de que o teórico ter um papel central no combate à polifobia em movimentos
sociais quer dizer que não se precisa da visão da prática – é preciso que as
pessoas vejam o que é o poliamor para você e na sua vida e que você leva isso a
sério. A maioria dos membros de movimentos sociais critica o poliamor com uma
crítica ao individualismo que eles imaginam que exista, que seja uma relação sem
seriedade, sem apoio, etc. É preciso mostrar que não é assim. Se for possível,
formar uma frente com os outros polis e simpatizantes, do movimento, para
intervir conjuntamente nos movimentos sociais é uma ótima opção.
Em termos de relacionamentos que estão começando, se a pessoa for polifóbica, caia fora. Uma pessoa polifóbica dificilmente vai mudar de opinião. Se a pessoa não se demonstra nem um pouco interessada no assunto, não force a barra - e nem se permita ser oprimida(o) de entrar numa relação monogâmica. Existem outras pessoas legais no mundo e você vai encontrar alguma.
Pense no seguinte: se você for/fosse negro(a) e seu(sua) potencial parceira(o) for racista, essa relação tem como ir pra frente? As pessoas podem fingir que isso não existe, mas é certo que em algum momento a pessoa vai te tratar de maneira inferiorizante, desconfiada, preconceituosa, pela visão opressora que ela tem.
No caso de nós polis, podemos ser feitos de objetos sexuais, ser tratados com muito mais ciúme e desconfiança e - o que eu acho particularmente ainda pior - ser trocada(o) por alguém monogâmico (mesmo a pessoa amando mais você do que a pessoa monogâmica por quem ela está te trocando... por que ela vai provavelmente colocar a monogamia acima do amor). Isso quer dizer que não se deve tentar se envolver com ninguém que seja monogâmicx? Não. Eu, particularmente, prefiro não me envolver com ninguém que não esteja no caminho de se tornar poli, ou pelo menos tentando; mas isso é uma posição minha. Sei de relacionamentos entre polis e monogâmicos que deram certo - mas esses monogâmicos participavam das atividades polis de livre vontade, por exemplo.
Combater a polifobia que se sofre individualmente é sempre
uma combinação de experiência com teoria. As pessoas não vão só se convencer
com a visão de você com seus companheiros, nem vão se convencer só com você
argumentando. Ver e ouvir são fundamentais.
Quanto às consequências que a polifobia pode ter na sua
subjetividade, é importante entender que não vamos superar a polifobia
individualmente, enfrentá-la sem apoio algum. Durkheim já falava no século XIX
da importância que a afirmação coletiva tem para as práticas individuais – o olhar
do outro influencia muito em como nos comportamos, mesmo que não queiramos. Por
isso, buscar conhecer outros polis para ter como amigos e confidentes é
importante – mas mais ainda é importante participar de atividades coletivas
sobre poliamor. A Pratique Poliamor RJ tem a preocupação de criar esse tipo de
espaço.
Muitos achariam que está bom por aí, lidar apenas no âmbito
individual com o problema da polifobia, mas isso não é verdade. O movimento
LGBT só conseguiu o apoio e as conquistas que tem hoje (mesmo que ainda
pequenas) por que se organizou coletivamente – e isso influenciou a forma como
a sociedade de conjunto vê os LGBT para melhor. A mesma coisa se aplica aos
polis.
Precisamos fortalecer os grupos polis e faze-los ter
visibilidade, alcançando pessoas que ainda não pensaram sobre o assunto ou que
ainda têm certas dúvidas. Atividades como palestras e panfletagens ajudam bastante
nisso; mas, algo que o movimento LGBT e o feminismo fizeram e que é de
fundamental importância para nós, é a integração com outros movimentos –
prestarmos, através de nossos próprios movimentos, apoio a outras causas,
principalmente a de setores oprimidos e explorados: é muito mais complicado
falar mal dos polis ou criar concepções polifóbicas quando você vê que os polis
organizados estão apoiando a sua própria luta. Isso é algo que a Pratique
Poliamor RJ quer fazer em breve, mas não estamos conseguindo por falta de
pessoal.
Também é importante que o nosso movimento consiga se
consolidar, com pessoas que frequentam com regularidade, com um grupo de
organizadores democrático, ativo e com uma quantidade boa de membros dedicados.
É preciso que essas organizações tenham reconhecimento. Mas nada disso pode
implicar na associação a empresas privadas, a idolatria a qualquer indivíduo ou
a sujeição a outros grupos, como movimentos, partidos ou mesmo grupos
independentes.
Quanto a esse ultimo aspecto, é importante localizar que não é
que não podemos ter movimentos, partidos ou grupos independentes atuando dentro
dos movimentos polis – muito pelo contrário: isso faz parte da democracia de
qualquer movimento social. A questão é que não podemos sujeitar o movimento
poli a esses grupos – ou seja, virar um braço do movimento LGBT, por exemplo, de um partido
ou de um grupo de independentes privilegiados.
Mas não é possível pensar a superação da polifobia enquanto
fenômeno social e coletivo sem pensar na instituição que a gera – a monogamia.
A monogamia está diretamente ligada à propriedade privada (tanto em termos de
propriedade sobre o parceiro quanto a transmissão de propriedade para os
filhos) e, portanto, ao capitalismo. Isso pode parecer algo muito grande, muito
geral e que não temos a menor chance contra essas coisas, mas não é bem assim.
Primeiro que a monogamia, associada à propriedade privada e ao capitalismo, precisa,
para manter tudo isso a que ela está ligada, ser abolutamente hegemônica – e por
isso as instituições ligadas à manutenção da monogamia serão agentes
conscientes no sentido de espalhar polifobia e tentar nos privar dos nossos
direitos. Como ela sustenta e é sustentada pelo capitalismo e a propriedade
privada, não vamos conseguir derrotar a instituição da monogamia sem derrotar o
capitalismo e a propriedade privada. É preciso uma sociedade colaborativa e não
competitiva, secularista e livre para que o poliamor tenha a liberdade de se desenvolver e ser
admitido por todos. Isso quer dizer que o capitalismo é nosso inimigo e que uma
sociedade superior é mais que desejável – é necessária – por isso devemos nos
aliar a trabalhadores monogâmicos e de vários grupos oprimidos para fazermos,
juntos, frente ao capitalismo. O Capitalismo não serve para o poliamor.
Ser contra a monogamia implica em algum tipo de opressão “reversa”?
isso é uma confusão típica. Na verdade não, por que a monogamia não é a
formação de casais que ficam só um com o outro, mas é a regra que impõe aos
dois que só podem ficar um com o outro – ou seja, ela serve para que, quando
alguém sentir vontade/necessidade de ficar com alguma outra pessoa, isso seja
interditado. Essa regra só se aplica ao outro, pois se você não quer ficar com
mais ninguém é só não ficar, podendo ou não segundo as regras do
relacionamento. Isso não implica que não haverão mais relações monogâmicas se
acabarmos com o capitalismo, só quer dizer que elas se tornarão obsoletas –
portanto, não é questão de proibí-las ou discriminá-las, mas sim de entender
que elas tendem a desaparecer paulatinamente, e isso não implica em nenhuma “opressão reversa”.
Bom, acho que é isso. Fico no aguardo de dúvidas que o
pessoal possa ainda ter e que queira que eu ajude a esclarecer. Se eu receber
questões que não abordei, faço um adendo a esse texto no blog, ok? Mas fique
tranquilo que sua identidade será preservada!
Espero ter ajudado! Até Mais!
Espero ter ajudado! Até Mais!
Muita Vontade e Sabedoria nas suas Guerras!
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